Gordofobia é a desvalorização, estigmatização e hostilização de pessoas gordas e seus corpos. Essa estigmatização parte do pressuposto que existe um padrão correto e aqueles que não se encaixam nesse padrão são considerados “anormais” logo, estão sujeitos a atitudes discriminatórias e excludentes. A estigmatização reduz as pessoas gordas em suas características físicas como reflexo de suas qualidades morais. Por isso os gordos são taxados como indivíduos descontrolados, preguiçosos, fracassados, incapacitados, desleixados, que não possuem força de vontade e doentes.
Os órgãos de saúde apontam a obesidade como uma doença e como um fator de risco para outras doenças, o que acarreta na redução da qualidade e expectativa de vida. Porém, a patologização do corpo gordo é uma das expressões da gordofobia, além de reprodução do modelo biomédico que insiste em delimitar o que é normal e o que é “patológico” reduzindo a compreensão da multifatorialidade da obesidade a um fator comportamental.
Exemplo disso é a utilização do cálculo de IMC (índice de massa corporal) para definir se a pessoa é obesa ou não. Esse dado é obtido pela razão entre o peso e a estatura do indivíduo ao quadrado não levando em consideração as especificidades de cada pessoa. Desta forma, aqueles que não necessariamente estão doentes, mas que destoam dos critérios de normalidade estabelecidos pelo IMC, são enquadrados como portadores de obesidade, entendida neste contexto como uma patologia a ser tratada.
Essa concepção contribui para a manutenção de um modelo obsoleto e gordofóbico que reforça estereótipos e afeta a autoestima das pessoas gordas, trazendo consequências sociais, agravamento de desordens psicossomáticas, doenças resultantes do estresse e a busca incessante pelo alcance de um padrão ideal que corrobora com a mercantilização das práticas de saúde.
A gordofobia muitas vezes aparece disfarçada em justificativas de preocupação, considerando que sempre haverá malefício em ser gordo. Muito desse preconceito vem de uma visão social-biológica construída pela constante representação idealizada da aparência de um indivíduo saudável. Assim, a visão de saúde passa a ser resultado de normas sociais influenciadas pelas mídias. Essa idealização resulta na concepção de que o obeso deve ser disciplinado, perseverante, que segue prescrições e restrições com o principal objetivo de perder peso reforçando a falsa associação de que uma pessoa saudável é uma pessoa magra.
Porém, o fracasso em corresponder às normas sociais afeta a integridade psicológica do indivíduo, pois essas normas levam a crer que apenas com a força de vontade seria possível resolver esse “problema”, que na verdade é um conjunto complexo de fatores. Outro ponto, é que tais normas afetam também as relações indivíduo gordo que na busca do pertencimento social e adequação estética deixa, muitas vezes, a sua identidade pessoal e saúde em segundo plano. Ademais, a neurociência afirma que há mecanismos neurológicos nos quais a ansiedade e estresse, associados à restrição alimentar involuntária, aumentam os riscos de transtornos alimentares.
Essa construção social e midiática é tão limitante e recorrente que afeta a sociedade como um todo nos mais diversos aspectos. Além da gordofobia existe também a lipofobia e pressão estética que são fatores tão preocupantes quanto a obesidade para a saúde social. A gordofobia é o preconceito e discriminação com a pessoa gorda. A lipofobia é a aversão à gordura, é o medo de tornar-se gordo. Já a pressão estética é algo que todo mundo sofre em diferentes intensidades que é a “necessidade” de se encaixar nos padrões estéticos midiáticos. Todos esses termos levam a seguinte reflexão que se a preocupação é com a saúde e não com a gordura, não haveria a reprodução de tantos métodos radicais, violentos, altamente agressivos que visam o emagrecimento a todo custo.
A gordofobia acarreta consequências em níveis psicológicos, sociais e econômicos como depressão, ansiedade, distúrbios de autoimagem, transtornos alimentares, dificuldade de conseguir emprego e complicações secundárias resultantes da dificuldade de acesso aos serviços de saúde devido ao preconceito vivenciado nesse meio. Existem muitos estudos que indicam que os profissionais de saúde são uma fonte importante de preconceito, muitas vezes pela culpabilização que esses profissionais geram às pessoas gordas, mais uma vez reduzindo uma questão multidimensional a estigmas preconceituosos. A partir desse pressuposto, é fundamental que os profissionais da saúde direcionem suas práticas aos cuidados centrados na pessoa em sua integralidade, e não na reprodução de ideias redutivistas e preconceituosas, que resultam em outros distúrbios.
Concluindo, se existe preocupação com a saúde da pessoa gorda, não seja gordofóbico, pois o preconceito traz mais malefícios do que o excesso de peso. Outro ponto, não reproduza ideais falsos e inalcançáveis, reproduza a autoaceitação. Fazendo analogia à máxima “quem ama cuida”, ao estimular o amor próprio, existe grande chance que pessoa se sinta estimulada a cuidar de sua saúde, não necessariamente para emagrecer, mas para se tornar saudável. A maior riqueza do ser humano é ser diverso, respeite diferentes corpos, gostos, pessoas. O preconceito faz mal a todos. Não seja gordofóbico e não reproduza gordofobia.
Para quem se interessou no assunto, segue algumas indicações:
Ouça no Spotify: Podcast Mamilos: #135 – Gordofobia (https://open.spotify.com/episode/58cAGidIwQFftziQ7RnNZv?si=2hnRiN97SnKzvxkRCD_rqA)
Siga no Instagram: @movimentocorpolivre
Produzido por: Marina Lefol Nani Carvalho, acadêmica do 7° período de Enfermagem da Universidade Federal de Alfenas-MG, PETiana desde 2018.
Referências:
MAGRIN, J.G.B. et al. Gordofobia e pressão estética. VII Congresso de pesquisa e extensão da FSG e V Salão de Extensão. Caxias do Sul, 2019. v.2004, p.808-810.
NERY, J.L. Gordofobia: discursos e estratégias de empoderamento de mulheres gordas ao preconceito. XIII ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNI7. Anais do XIII Encontro de Iniciação Científica da UNI7. Fortaleza: 2017
PEREIRA, B.B.; OLIVEIRA, P.P. Gordofobia, mocinha só magrinha: valores do corpo feminino nas telenovelas. Intercom – Rev. Brasileira de Ciências de Comunicação. São Paulo, 2016. v.31, n.2, p.289-304.
SILVA, B.; CANTISANI, J. Interfaces entre a gordofobia e a formação acadêmica em nutrição: um debate necessário. DEMETRA: alimentação, nutrição e saúde. Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Nutrição. Florianópolis, 2018. v.3, n.2, p.363-380.
SOUZA, V.C.S.; GONÇALVES, J. P. Investigação sobre gordofobia: estado do conhecimento em teses e dissertações. Interfaces da educação. Paranaíba, 2019. v.10, n.28, p.468-496.
VASCONCELOS, N. A.; SUDO, I.; SUDO, N. Um peso na alma: o corpo gordo e a mídia. Rev.Mal-Estar e Subj. Fortaleza, 2004. , v. 4, n. 1, p. 65-93.
Comments